sábado, 2 de julho de 2016

Catador de lixo adota trabalho como treino para fazer carreira no MMA


Iniciado no muay thai e no kung fu, Lucas Borges otimiza rotina pesada nas ruas de Uberaba, em MG, e viaja 130 km duas vezes por semana para encontrar treinador

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Uberaba, MG


"Fazer a coleta de lixo é muito cansativo, mas eu faço disso uma forma de treinamento, pensando no meu psicológico para as artes marciais. Correr atrás de um caminhão de lixo e conciliar um treinamento para lutador são duas rotinas, e eu tenho que trabalhar com as diferenças. Assim eu já me preparo para as lutas".
O depoimento é do lutador de muay thai e MMA, e também catador de lixo, Lucas Borges, de 24 anos, que está há 10 anos entre tatames e octógonos e há três na limpeza urbana de Uberaba. A dinâmica com que encara a rotina pesada no interior de Minas mostra o otimismo de quem luta todos os dias para contornar distância e pouca estrutura. Além dos 36 km percorridos na coleta pelas ruas da cidade, Lucas viaja 130 km duas vezes por semana para se encontrar com o treinador.
– Eu tenho que me deslocar duas vezes por semana para treinar com o Xerém (técnico). Nosso horário de lixeiro começa às 7h e cumprimos nossa meta até 15h, de segunda a sábado. Na quarta e sexta-feira eu vou para Conceição das Alagoas de ônibus. Vou e volto no mesmo dia, e o Xerém sempre consegue carona para eu voltar – disse, referindo-se ao técnico com quem tem parceria desde 2010.
Desde o primeiro contato com as artes marciais, em 2006, o peso-pena fazia adaptações para treinar. Fã do ator Jet Li, desde pequeno ele usava garrafas pet como equipamentos de treino em casa. Hoje, começa a ganhar espaço no cenário das lutas.

– Eu comecei no Cemea (Centro Municipal de Educação Avançada) do Bairro Abadia por intuito, dali eu fui crescendo. Desde pequeno eu sempre gostei de lutar e ficava dando soco em garrafas pet em casa. Eu sempre assistia aos filmes do Jet Li e ficava muito empolgado. Na época, minha mãe não tinha condições de pagar a academia. Um primo meu que mora em Miguelópolis me influenciou também, porque todas as férias de escola eu ia para lá e treinava na academia que ele frequentava – relatou.
Desse período, ele guarda algumas medalhas, entre elas: ouro no Brasileiro de kung fu de 2002 e no Mineiro de muay thai, em 2008, título que ele voltou a conquistar no último no fim de semana, em Frutal. Na carreira internacional, Lucas já ganhou também o cinturão no Sul-americano de muay thai, em 2014, na categoria até 61 kg.

Para o futuro ele adiantou que o plano é trocar definitivamente o caminhão de lixo pelas grandes competições internacionais.
– Eu entrei nessa carreira do MMA agora e pretendo chegar a grandes eventos, estou sendo preparado para chegar ao UFC, e aí eu penso em abandonar a coleta de lixo – afirmou o lutador, fã declarado de Lyoto Machida.

INÍCIO E GRATIDÃO


As aspirações de Lucas também são incentivadas, desde 2010, pelo treinador Carlos Alexandre Souza Santos, o mestre Xerém. A parceria se firmou durante um evento de muay thai realizado em Uberlândia. A oportunidade de evoluir nas artes marciais o animou, e o mineiro aceitou o convite do treinador, que morava em Uberaba na ocasião.
– Na época que eu treinava muay thai com Ilton Donizete e kung fu com o Vinícius Borges. Eu não via tanta oportunidade de crescer dentro da carreira do MMA. Foi quando eu conheci o Xerém em um evento em Uberlândia. Lutei no muay thai e nocauteei uma cara. Ele assistiu à luta e me chamou, disse que me daria uma oportunidade de entrar no MMA. Eu conheci bastante coisa e consegui ser campeão de MMA pela primeira em 2012, no Fort Fighting Competition (FFC), em Uberaba – recordou.

A estrada que liga Uberaba a Conceição das Alagoas, onde atualmente reside Xerém, passou a fazer parte da rotina semanal do lutador, que viaja toda quarta e sexta-feira cerca de 130 km para treinar. Em véspera de competição, as portas da casa do técnico também são abertas ao atleta, que se torna hóspede por 10 dias.
– Ele é um menino novo e que não tem oportunidade de trabalhar em academias da cidade, então eu o ajudo treinando comigo em Conceição das Alagoas e arrumando as lutas para ele competir. Percebo que o Lucas é um nocauteador, vai pra cima mesmo e tem muito futuro – destacou o técnico.
O trabalho feito em caráter solidário se expandiu ao preparador físico Jorge Ivo, com quem o atleta treina quando está de folga em Uberaba.

– Nesse intervalo de tempo, treino com o meu preparador físico em Uberaba, o Jorginho Educa. Ele quis me ajudar também e o conheci através do Xerém. Em Uberaba, tem muitos anos que estou nesse ramo e nunca consegui ajuda da prefeitura para ir a evento algum. Na maioria das vezes, o Xerém me abrange correndo atrás de ajuda para irmos para os eventos – acrescentou.
Ao observar o caminho de uma década nas artes marciais, Lucas Borges fez questão de agradecer a quem apostou no talento dele, inclusive os empregadores, que o liberam do serviço quando tem luta marcada.
– Me dá muito orgulho saber que me ajudam (Xerém e Jorginho), pois antigamente eu não tinha tantas pessoas para ajudar. Quando descobriram meu talento, resolveram me ajudar, pois eu venho de bairro pobre. Os meus encarregados falam que eu sou batalhador, e também me apoiam – concluiu.


Lucas Borges coleciona títulos no MMA, muay thai e kung fu há uma década (Foto: Lucas Borges/ Arquivo Pessoal)

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