quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Mestre Alex Magnos fala sobre o Wing Chun da Shaolin Boxing Association



1 ) Mestre Alex Magnos, primeiramente gostaríamos de saber o que é o Shaolin Wing Chun e no que este difere das outras escolas de Wing Chun ?
Alex Magnos : Bem, para início de conversa, Shaolin Wing Chun não é uma linhagem ou Sistema ou estilo. Veja que, desde sempre, os mestres ou, digamos, estudiosos do Wing Chun, têm se esforçado a estabelecer uma significativa separação entre os termos ‘sistema’ e ‘estilo’, mesmo assim esse esforço tem sido meio que em vão, pois muitos dos que intentam por chamar a arte Wing Chun de Sistema, não sabem exatamente como se deve apresentar ou compreender esse próprio termo ‘Sistema’; e isso vem causando um significativo legado de erros de compreensão entre os praticantes da arte. Então, para que possamos esclarecer o que representa o nome ‘Shaolin Wing Chun’, faz-se necessário que antes falemos sobre as definições desses dois termos: ‘estilo’ e ‘sistema’. Grosso modo, Wing Chun é, em última análise, tanto um ‘sistema’ quanto um ‘estilo’, ou seja, são as duas faces de uma mesma moeda; o problema nesse caso resulta do fato de que a maioria dos praticantes não sabe identificar quando o Wing Chun é um e quando é o outro, o que, obviamente, leva a outro problema – a confusão quanto ao ensino da arte. Este é um assunto interessante e longo, diga-se de passagem, mas tentarei ser o mais breve possível. O comum, quando falamos em estilo, é atermo-nos à questão da imitação, ou seja, à mitologia dos métodos de Kung Fu baseados em animais ou à mimica de instrutores. Alguns praticantes chegam mesmo às vias de separar ‘estilo’ de ‘sistema’ simplesmente por classificar supostos métodos baseados em animais como sendo ‘estilos’ e não sistemas, mas isso é essencialmente um erro. Estilo é aquilo que é ímpar, individual, único, intransferível; em suma, é a expressão pessoal, única de uma pessoa como artista marcial; poderíamos mesmo dizer que ‘estilo’ é o ‘Jeet Kune Do’ de cada praticante que realmente aprendeu, realmente compreendeu uma arte marcial, qualquer que seja ela. Seguindo esse pensamento, não seria possível a alguém aprender ou ensinar determinado ‘estilo’ a outro, pois, obviamente, estamos falando de ‘expressão pessoal’, ou seja, o estilo é aquilo que surge no final da jornada, é o produto último, derradeiro, o resultado do esforço em aprender e compreender a arte, é algo pessoal e intransferível, é aquilo que é exclusiva e essencialmente seu e, dessa forma, não poderá ser transferido ao outro. Já quando falamos em ‘Sistema’, o comum é atermo-nos a nossa consciência e memória coletiva que alimenta nossa lógica ocidental greco-romana, um pensamento essencialmente aristotélico, onde um ‘sistema’ é aquilo que contém um início, um meio e, por conseguinte, um fim, bem claro, bem estabelecido e que facilmente poderá ser identificado como tal, como uma seta ou linha reta ou algo do tipo. Contudo, sendo uma arte marcial essencialmente Shaolin, o Wing Chun tem todo o seu fundamento no Chan Budismo, dessa forma, tornando-se indispensável a compreensão dos preceitos e filosofia Chan para que possamos entender os fundamentos da arte. Assim, quando usamos Hai Tung, o termo cantonês, traduzido para o ocidente simplesmente como ‘sistema’, sem uma análise mais profunda de sua hermenêutica, findamos por enfrentar uma considerável perda de seu significado intrínseco, o que, consequentemente, levará a um erro, primeiro, de aprendizagem, depois, de ensino da arte. De uma perspectiva do Chan Budismo, Hai Tung significa interconexão entre partes unificadas para gerar um todo completo; mas, diferente da compreensão ocidental de sistema, Hai Tung não é disposição linear de partes separadas, mas uma disposição circular de partes interconectadas, as quais não são inteiramente juntas nem também inteiramente separadas. Veja essa ideia como uma representação de um círculo, não é possível dizer onde começa nem onde termina a linha que forma a figura de um círculo. Isso é o que Hai Tung representa quando falamos de ‘Sistema’ quanto a aprendizagem do Wing Chun. O que seria o início bem poderá ser o fim e vice-versa. Quando olhamos dessa forma para o Wing Chun, descobrimos que nem sempre o primeiro passo de um aprendiz deverá ser em Siu Nim Tau, tendo um fim em Baat Jaam Dou (por exemplo); na verdade, isso dependerá muito da relação Si-Tou (mestre-pupilo). Isso porque, dependendo dos objetivos, tanto do mestre quanto do estudante, a metodologia poderá ser focalizada de maneiras diferentes, buscando resultados específicos para ambos. Em suma, um professor que realmente compreenda o Wing Chun Hai Tung de uma perspectiva Chan Budista, poderá iniciar um estudante a partir de qualquer “parte do sistema”, uma vez que tudo é ‘interconectado’, se você entende o que estou querendo dizer. Esse ‘caminho’ que chamamos Hai Tung (sistema) que leva ao resultado final (estilo) é o que denominamos Ciência Marcial que por sua vez é composta por fatores específicos, sem os quais, não poderíamos compor o Hai Tung que dá lugar à Ciência Marcial. Entre esses fatores podemos citar alguns: a Fórmula do Tempo, Espaço, Energia, que estabelece todo o conhecimento relacionado à Estrutura Tridimensional (Espaço), Posicionamento (Tempo) e, obviamente, Energia, ou se preferir, Força; os Dois clássicos de Shaolin, que são métodos para desenvolvimento de força / poder (energia) através do Hei Gung, indo desde o superficial (pele e músculos), passando pelo externo (tendões e ossos) até chegar no interno (medula óssea e sangue). Esses fatores são coordenados por preceitos do Chan Budismo como o Saam Mo Kiu (Três Pontes Conectoras), o Hau Chyun San Sau (Transmissão Oral, Expressão Corporal) que auxiliam o estudante durante sua transição nas seis camadas de profundidade nas quais a Ciência Marcial é composta para levar o praticante da condição de iniciante (leigo) ao estado avançado (artista marcial), ou seja, o estado no qual o praticante terá a habilidade de expressar a si mesmo, honesta e verdadeiramente, um estado no qual o indivíduo e a arte serão um único ser. A maioria das artes marciais, independente de ser chinesa ou não, de ser budista ou não, tem sua existência delimitada pelas duas primeiras dessas seis camadas, algumas ficam estagnadas na primeira camada (que chamamos nível técnico), outras conseguem atingir as camadas dois (mecanismos corporais) e algumas mesmo chegando à terceira (conceitos); é justamente essa terceira camada que reflete aquela famosa citação de Bruce Lee sobre quando ‘ um soco volta a ser apenas um soco, um chute apenas um chute ’. Existem outros fatores, mas os dois citados aqui são o bastante. Quando pensamos em metodologia de ensino, Hai Tung nos dá a capacidade de iniciar um estudante de qualquer ponto, ou melhor, parte do círculo, ou melhor, do todo que é o Wing Chun, não necessariamente temos que, categoricamente, iniciar da forma (Kuen Tou ou Tau Lou) Siu Nim Tau, pois podemos iniciar de Biu Ji, por exemplo, ou de qualquer outro ponto. Contudo, independe do ponto que iniciarmos, o início sempre acontecerá na primeira camada (nível técnico) das seis, de onde conduziremos o estudante até à sexta e última camada onde será capaz de expressar a si mesmo honestamente; esse é o momento do estilo. Shaolin Wing Chun não é um rótulo para definir uma linhagem ou sistema, nem significa que é o Wing Chun que alguém aprendeu no Templo Shaolin ou por meio de um monge Shaolin. Não! O uso do termo Shaolin Wing Chun implica que o conhecimento dos fatores e elementos supracitados são, supostamente, aplicados no ensino da arte pelas escolas ou sifus que fazem propaganda do mesmo. Por fim, é importante deixar claro que os métodos, fatores e elementos que compõem o ‘Shaolin Wing Chun’ são indissociáveis, para não dizer exclusivos, do conhecimento das ‘sociedades secretas’ anti-Qing. Em suma, Shaolin Wing Chun é um legado de conhecimento que já se estende por mais de quatrocentos anos. Eu poderia aprofundar e detalhar ainda mais esse assunto, mas, por hora, o que falei é o bastante e espero que ajude de alguma forma aos interessados no assunto.
2 ) Para interação do público leigo e mesmo do dito “ especializado ” poderia nos falar um pouco sobre alguns fatos não tão conhecidos no que diz respeito à história do Wing Chun ?
Alex Magnos : A história do Wing Chun é um assunto repleto de controvérsias desde sempre, mas uma coisa eu gostaria de ressaltar: vejo muitos praticantes e estudiosos digladiando-se em defesa de suas próprias versões ou interpretações do que julgam ser a história do Wing Chun; alguns defendem a propagação da história de origem da arte ligada à tal monja e sua pupila, outros negam totalmente essa história, embora essas não sejam as únicas controvérsias existentes. Embora eu seja uma pessoa absolutamente aversa a dogmas, quaisquer que sejam eles, não tenho intenção nenhuma de destruir as crenças ou dogmas de quem quer que seja. Contudo, acredito que as crenças desse ou daquele praticante ou escola de Wing Chun, tem seu fundamento no que entendem do próprio Wing Chun. Por exemplo, se uma pessoa conhece os preceitos Chan Budistas que não só fundamentam, mas que também deram origem ao Wing Chun (sim, digo deram origem pois alguns desses preceitos datam de muito antes dos primeiros relatos sobre a arte, sejam por meio das lendas ou das tradições de sociedades secretas), tal como o Saam Mo Kiu (Três Pontes Conectoras), que remonta ao Templo Shaolin do Norte, chegando à China através do Budismo Mahayana, e, antes desse, tendo sua origem ainda muito mais remota no Hinduísmo. O Saam Mo Kiu é absolutamente desconhecido pelas linhagens de Wing Chun que não tiveram uma conexão direta com as sociedades secretas anti-Qing, que por sua vez, remontam ao Templo Shaolin do Sul, queimado pelos manchus ainda no século 17. Uma vez que a história da origem lendária (monja e pupila) foi propagada primeiro pela companhia teatral de Fatsan, chamada King Fa Wui (Associação da Flor de Jade), comandada por um dos maiores expoentes do Wing Chun entre os séculos 17 e 18, o ex-general do exército Ming, Cheung Ng (embora saibamos que esse não é seu nome real), e, depois, disseminada pela companhia teatral Hung Suen Hai Ban (Ópera dos Barcos Vermelhos), que foi uma sucessora direta da King Fa Wui, entende-se porque existe essa dicotomia entre os praticantes. Segundo os relatos das sociedades, essa suposta lenda foi engendrada para burlar a atenção dos Qing quanto aos revolucionários, afastando assim os espiões Qing dos interesses do movimento Wing Chun durante o período revolucionário. Relatos chegam mesmo a citar o próprio Cheung Ng como a pessoa que teria criado a história lendária como uma peça teatral encenada pela King Fa Wui e depois pela Hung Suen Hai Ban. De fato, não tenho nenhum interesse em discutir aqui se a lenda advém de uma verdade ou se, como é dito na Hung Fa Wui (Sociedade da Flor Vermelha), é apenas produto da mente criativa de Cheung Ng, pois, de qualquer forma, como sabemos que nada no Wing Chun deve ser tomado literalmente, mas que precisa ser observado e analisado com cuidado para que possamos descobrir os ‘segredos’ e ‘códigos’ que os antigos nos deixaram, a lenda da monja e da pupila também precisa passar por esse cuidadoso crivo, pois ela contém um simbolismo muito rico para os praticantes e estudiosos do Wing Chun, além de guardar códigos que encerram um profundo conhecimento da arte marcial Wing Chun. Como exemplo posso citar o nome da monja, Ng Mui, que pode ser traduzido como “Cinco Pétalas” ou “Cinco Ramos”, em nossas tradições, é um código que faz referência a preceitos de treinamentos chamados Ng Mui Gong Yau Faat (cinco métodos de energia dura e suave), os quais, obviamente são desconhecidos pelas linhagens de Wing Chun desconectadas das antigas sociedades secretas anti-Qing. Algo parecido acontece com o nome Yin Wing Chun que, na tradição da sociedade revolucionária, é um antigo código de legitimação e identificação entre os membros da Hung Mun, ao passo que na lenda, é o nome da pupila da monja. Segundo a oralidade da Hung Mun, foi somente por volta de meados do século 19 que seus conjuntos de métodos marciais passaram a ser comumente e especificamente denominados Wing Chun; mas que, originalmente, não era assim, já que, essencialmente, o termo Wing Chun representava o ideal que nutria a própria existência da Hung Mun, ou seja, destruir a Dinastia Qing e restaurar a Dinastia Ming.
3 ) Mas você é um praticante experimentado em Wing Chun de Ip Man desde 1989. Foi por isso que resolveu optar por estas outras linhas de Wing Chun ?
Alex Magnos : Na verdade, iniciei no Wing Chun no começo de 1987. Em 1993 comecei a dar aulas, em casa, para um grupo de amigos, mas foi só em 1996 que comecei a ensinar profissionalmente. Passei pelos métodos Jin Wan, Moy Yat, Ho Ka Ming, Tradicional Wing Chun, entre outros, antes de seguir para as chamadas linhagens de sociedades secretas em 2005. Além do Wing Chun, passei por Jeet Kune Do, Taekwondo, Karate e vários outros métodos de Kung Fu (incluindo Hung Ga, Shaolin do Norte e Cinco Animais), mas nenhum me conquistou como o Wing Chun. E desde que me lembro, sempre tive essa sede de aprender todos os aspectos dessa incrível arte, sem estar preso aos limites de uma escola ou linhagem. E, uma verdade que não pode ser ignorada, é o fato de que nenhuma linhagem pode dizer que detém todo o conhecimento sobre o Wing Chun na atualidade sem ter tido a oportunidade de estudar os diferentes aspectos da arte em seus diferentes períodos ou eras, tais como: era moderna (dos anos 50 para cá), era Fatsan (Leung Jan e pós-Barcos Vermelhos), era dos Barcos Vermelhos (século 19), era das sociedades secretas (meados do século 17 e 18) e era Shaolin (das origens ao período pré-revolução). Afirmar que detém todo o conhecimento sem ter a bagagem supracitada é um ato leviano, e quem quer que diga isso o faz por motivos mercadológicos apenas. Mesmo nas “linhagens” derivadas de sociedades secretas existem coisas importantes que uma conhece e a outra não e vice-versa, eu sei bem disso, afinal estudei por anos duas dessas linhagens. Eu acredito que tive sorte (além de um bom dinheiro investido!) de ter a chance de conhecer profundamente o conhecimento existente nessas linhagens ou escolas pelas quais passei, desde as derivadas de Ip Man até as das sociedades secretas, pois elas me proporcionaram um conhecimento ímpar e uma compreensão ampla e, ao mesmo tempo, singular do que realmente é essa arte marcial Wing Chun. É por isso que hoje eu não limito meus próprios estudantes, pelo contrário, estou sempre testando seus limites e tentando abrir seus olhos a cada novo dia, afinal, esse é meu trabalho: conduzir cada um deles, além do ponto que eu mesmo atingi.
4 ) Nossos leitores também gostariam de saber um pouco mais sobre essa sua missão que tenta preservar o Wing Chun no Brasil e em todo o mundo.
Alex Magnos : Acredito que todos aqueles que realmente amam o Wing Chun, de uma forma ou de outra, sentem-se instigados a assumirem sua parte nesse empreitada. Afinal, quem realmente ama algo, vai sim querer encontrar meios de preservar esse algo para gerações vindouras! E veja bem, quando digo preservar, não me refiro a encontrar meios mais eficientes para melhor vender a arte. Não! Refiro-me a compartilhar de forma livre com qualquer um que tenha o mesmo amor e apelo pela arte. Não há dúvidas de que o Wing Chun foi uma arte que sempre esteve rodeada de sigilo e privacidade durante seu tempo, digamos, subversivo, como vemos ressaltado em antigas normas, tais como: “Biu Ji Bat Ngoi Mun”, que é mais conhecido aos praticantes da era moderna e quer dizer “Biu Ji não deve sair pela porta”, uma alusão clara sobre o fato de que, nos tempos antigos, o conhecimento deveria ser mantido restritamente dentro da família kung fu. Citando ainda outro, mais conhecido pelos praticantes de Shaolin Wing Chun, temos “Gaau Ngoi Bat Chyun”, que diz precisamente, “O ensino não dever ser exposto aos de fora”; essas regras existiram por uma boa razão no passado, quando os praticantes de Wing Chun eram pessoas que viviam à margem de uma sociedade (Dinastia Qing), e, como tal, necessitavam dessa máquina de segredo para que continuassem a lutar por seus objetivos: a derrota dos Qing e o retorno dos Ming. Mas hoje, no momento atual em que vivemos, totalmente desligados de conflitos políticos chineses ou mesmo de sociedades secretas, esse apelo aos chamados “segredos”, não passa de baboseira mercadológica. Não existe mais ideologia nenhuma relacionada ao Wing Chun que não seja ganhar dinheiro. Eu sempre me senti incomodado em todas as escolas nas quais estive onde os líderes vinham com aquele discurso de que a arte é apenas um produto de mercado. Lógico que esse pensamento é um resultado do meio em que vivemos, para o qual não vejo solução. Hoje, vivemos na época “caça-níqueis”, quando tudo que a maioria dos chamados profissionais de artes marciais faz, é feito visando aumentar sua cota do cifrão. Não que isso me interesse, eu não tenho pretensão nenhuma em querer mudar o que quer que seja. Apenas quero seguir fazendo o que acredito ser o correto para mim e para aqueles que estão comigo. Quanto aos outros, que cada um faça o que acredita ser correto para si. Quem somos nós para querer julgar o outro. Mesmo assim, eu sou uma pessoa adepta da lei natural, o que os antigos budistas chamavam de Karma-Pala; portanto, tento sempre fazer o meu melhor. E fazer o meu melhor resulta em educar aqueles que me procuram; ensinar-lhes a entender como esse mundo funciona, ensinar-lhes a reconhecer os lobos em pele de cordeiros espalhados por aí. Depois cabe a cada um fazer suas próprias escolhas. Essa é minha missão: ensinar sem barreiras financeiras a todos que me procuram.
5 ) Um assunto que é tabú aqui no Brasil diz respeito às Sociedades Secretas, sendo que este tema só veio à fazer parte da grande curricular de algumas poucas escolas de Wing Chun aqui no nosso país apenas à partir de 2003. Por que as demais escolas relutam em discutir esse assunto e quando o fazem apenas tentam negar a sua existência ? Uma vez que tais grupos também tiveram a sua importância na preservação dos conhecimentos do Kung Fu ao longo da história ?
Alex Magnos : Pois é, essa é uma questão interessante, mas veja bem, a maioria das pessoas gosta daquilo que é mais cômodo, mais confortável, que oferece menos desafios, dessa forma, tudo de novo (nesse caso, de velho! Risos) que chega para mexer, de alguma maneira, em sua aprazível comodidade, é visto como algo, no mínimo, ameaçador. Como eu disse antes, já tenho uma longa história no Wing Chun, por isso carrego comigo muitas lembraças, tais como; quando, em 1995, comecei a dar aulas (como professor auxiliar na filial da Moy Yat Ving Tsun em Fortaleza), uma das coisas que eu sempre me abstinha em propagar durante as aulas teóricas, era sobre a lenda do Wing Chun. Já naquele tempo esse conto tinha um gosto acetoso para mim. E eu simplesmente não falava sobre durante as aulas, mesmo que me fosse requisitado que eu falasse sobre. Quando os primeiros relatos sobre o brackground do Wing Chun ligado às sociedades secretas começaram a surgir por voltar de 1999, eu estava absolutamente preparado para isso, pois para mim, para minha forma de pensar, tudo aquilo que estava sendo revelado, isto é, um embrião nutrido nos lendários templos Shaolin, mais uma vez a china tinha sido invadida, uma dinastia Han deposta, o levante de uma união rebelde em defesa da nação Han, militares, revolucionários, sociedades secretas, etc, tudo fazia muito mais sentido para mim que a história de uma monja sobrevivente de Shaolin, que teria ensinado uma jovem camponesa, e daí, dado origem a uma das mais sofisticadas artes marciais chinesas. Eu lembro de muitas coisas sobre o Wing Chun dos anos 80 e 90. Entre elas, lembro que era tabu conectar Wing Chun ao templo Shaolin, bem como conectá-lo a Hei Gung (Qigong), outro coisa era grafia ‘Ving Tsun’ (que eu não gosto nem um pouco, diga-se de passagem) em detrimento da mais conhecida ‘Wing Chun’. Isso tudo mudou de 2000 para cá! Portanto, que as pessoas aceitem ou não, o fato do Wing Chun ter sido uma arte que surgiu para o público em geral a partir das sociedades secretas anti-Qing, não mudará em nada essa verdade insofismável. Sobre isso, lembro-me de uma história que um conhecido meu, que é chinês de Hong Kong, contou-me algum tempo atrás; ele disse que quando jovem queira aprender kung fu, mas seus pais não permitiram, em vês de kung fu, levaram-no para aprender judô, isso ainda nos anos 70, em Hong Kong. E por que? Você poderá indagar-se! Simplesmente por que o kung fu, qualquer que fosse ele, sempre teve um ar subversivo para muitos chineses que simplesmente queriam levar sua vidinha tranquila, sem nenhum conflito político ou ideológico de qualquer forma com o governo. E por que? Porque o kung fu sempre teve um passado ligado inegavelmente à Hung Mun, não importa se hoje seus praticantes aceitam esse passado ou não. Esse meu conhecido somente pôde iniciar seu aprendizado em kung fu quando se tornou maior de idade. Principalmente o Wing Chun, entre as artes marciais chinesas, tem tudo, absolutamente tudo relacionado com a antiga Hung Mun, que é o termo chinês para ‘sociedade secreta’ ou ‘maçonaria”. Eu já vi argumentos contra a relação Wing Chun – Hung Mun do tipo: ‘não existem documentos oficiais do governo chinês que corroborem essa teoria, dentre outros. Para mim, esse tipo de pensamento é mais que ingênuo, para dizer o mínimo. Como essas pessoas poderiam esperar que um governo (primeiro o Qing e, depois, a República) registrasse de forma positiva um movimento cujo principal objetivo era derrubar o governo. Esse é um pensamento muito ingênuo e revela uma descomunal falta de conhecimento a cerca da história chinesa. A história política e militar, das dinastias chinesas, são indissociáveis de sociedades secretas; sejam derrubando ou erguendo novos governos. Tomemos a dinastia Ming, por exemplo, foi fundada por um membro de sociedade secreta. Jyu Yun Jeung (Zhu Yuanzhang em mandarim) era seu nome. Ele foi membro da sociedade do Lotus Branco e dos Turbantes Vermelhos e é justamente em memória dessa pessoa em particular que muitas das tradições existem no Wing Chun, tais como muitas ‘formas’ ou ‘códigos’ de mãos, e coisas assim, incluído o próprio nome da arte. Sem esquecer Shaolin, que não era exatamente uma sociedade secreta por assim dizer, embora nunca tenha sido totalmente aberta como muitos pensam, sempre foi partidária da dinastia Ming, por motivos políticos, ideológicos-religiosos e, claro, também financeiros. Ainda podemos citar dois grandes nomes que decidiram os rumos do povo chinês no século 20: Mao Zedong e Chiang Kai-shek, uma vez que eles também foram membros de sociedades secretas com fins políticos, militares e marciais. Mas eu entendo o porquê de algumas pessoas decidirem não aceitar a relação do Wing Chun com as antigas sociedades secretas: comodidade! Para muitos seria um trabalhão ter que voltar a trás, realizar muita reformulação em uma história que é contada e aceita como verdade já por um bom tempo; sem falar na questão financeira que viria da aceitação da mudança. Particularmente, não culpo, não julgo aqueles que não aceitam as mudanças. Acredito que todos são livres para aceitarem ou não, isso é um problema de cada um. Contudo sua negação não tornará esse fato histórico menos verdadeiro do que ele é.
6 ) Ainda falando sobre Sociedades Secretas … Acredita – se que William Cheung teria aprendido uma espécie de Wing Chun sob algum grupo Red Flag. Ele teria feito sua própria síntese à partir daí ou, realmente, Ip Man teria reservado algum tipo de conhecimento para apenas um aluno em particular como clama Cheung ?
Alex Magnos : Sim, essa história é verdadeira. Mas antes de discutirmos isso, eu gostaria de falar uma coisa importante sobre essa questão: primeiro sobre as chamadas “bandeiras”, e, depois, sobre as chamadas “técnicas secretas” de Ip Man. Sim, exatamente após a queima de Shaolin do Sul que ocorreu por volta do ano 1683, o movimento revolucionário que já existia por alguns anos naquele mesmo mosteiro, movimento esse que era composto por membros da família imperial Ming, militares Ming, monges guerreiros de Shaolin e demais lutadores partidários da causa, foi forçado, obviamente, a seguir um outro rumo, uma vez que sua base de operações, Shaolin, fora destruída. Essa sociedade sobrevivente ao ataque que destruiu o mosteiro, ficou conhecida por vários nomes, tal como Tin Dei Wui (Sociedade Céu e Terra), Saam Hap Wui (Sociedade das Três Harmonias), entre outros. A razão dos vários nomes é bastante óbvia: mascarar o movimento diante da perseguição Qing. Somente quando os Qing decidiram radicalizar mesmo, ao apertar a corda ao redor dos pescoços dos revolucionários, foi que esses revolucionários desceram de fato para o submundo, ou seja, tornaram-se subversivos aos olhos do cidadão e do governo, e, com eles, levaram sua sociedade, dando assim início à Hung Mun. Originalmente, cinco facções que formavam a Tin Dei Wui / Hung Mun sobreviveram à queima de Shaolin; essas cinco facções são chamadas pela tradições de Ng Jou, no dialeto cantonês, que traduzido significa “Cinco Ancestrais” ou “Cinco Anciãos”. São esses cinco ancestrais que na lenda do Wing Chun são ditos como os ‘cinco mestres’ que teriam escapado à destruição do templo. E sim, essas cinco facções que compunham a sociedade Céu e Terra, desde sua origem até sua disseminação pelo sul da China, eram legitimadas pelo uso de um estandarte (não exatamente uma bandeira), cada uma com uma cor específica. Esse formato de estandartes com cores não é novidade entre os militares e paramilitares chineses do passado, tanto que o próprio exército manchu adotou o padrão, e, depois da queda da dinastia Qing, outros grupos paramilitares fizeram o mesmo. E sim, dentre os cinco estandartes, havia de fato o estandarte vermelho, que estabeleceu posto na cidade de Fatsan, em Guangdong. Havia também o estandarte preto, que manteve seu posto nos arredores de Putian, em Fujian, etc. Mas, segundo relatos que datam do início do século 18, a liderança dessa facção chamada Estandarte Vermelho teria mudado; supostamente, de um monge Shaolin para um ex-general do exército Ming. Sob a nova direção, os relatos dizem que muitas coisas internas foram mudadas, incluindo o nome da organização, para Hung Fa Wui, Sociedade da Flor Vermelha. Assim, já desde o início do século 18, não existe mais essa coisa de estandartes ou bandeiras vermelhas ligadas ao Wing Chun. Sei que algumas pessoas têm usado esse nome ‘Red Flag’ para se referir à história e métodos de kung fu da Hung Fa Wui, mas isso não passa de um forçar de barra para não ter que dá de volta o devido crédito ao grupo original. Para mim, isso também é pura ingenuidade, pois também sabemos que a Hung Fa Wui não sobreviveu o bastante para chegar ao século 19. Pois seu líder, Cheung Ng, lembra-se desse nome? Citado anteriormente? Pois, então! Cheung Ng entrou no radar dos Qing, durante sua liderança na Flor Vermelha, e teve que abandonar as atividades para conservar a própria cabeça sobre os ombros. Ele foi exilado por um partidário rico e poderoso, que dava suporte financeiro à casa de Ng. Então já não existia mais Sociedade da Flor Vermelha durante o século 19, muito menos no 20. Há outros relatos sobre um parente dessa pessoa que deu asilo a Cheung Ng, que algum tempo depois teria ingressado nos movimentos anti-imperialistas e mesmo na Rebelião dos Boxers, esse parente ficou conhecido com o nome Chan Biu ou Hung Gan Biu (embora saibamos que esses não eram seu nome real); mas essa pessoa estava à frente de outra organização distinta da anterior, já não era a Hung Fa Wui que morreu em Fatsan. Essa nova organização, segundo relatos, era chamada Hung Gan Wui, também do cantonês, Sociedade Bandana Vermelha, porque seus membros usavam um pano vermelho sobre as cabeças, parecido com um lenço pirata; que, por sua vez, acabava tendo uma alusão à antiga sociedade secreta do fundador e primeiro imperador Ming, Jyu Yun Jeung, que também era chamada Hung Gan Wui. A diferença entre as organizações, além do tempo, pois quatrocentos anos as separam, temos os objetivos: a primeira, a de Jyu Yun Jeung, visava varrer da china até o último mongol e reduzir às cinzas a Dinastia Yuan, fundada por Kublai Khan, em 1271; a segunda, a de Chan Biu, visava combater tanto a dinastia Qing quanto o imperialismo inglês que se alastrava no país. Segundo relatos, essa pessoa, Chan Biu, teria sido morta durante a Rebelião dos Boxers, e, algum tempo depois, seus partidários teriam formando uma irmandade remanescente chamada Hung Fa Yi, em cantonês, que traduzido, significa exatamente, Irmandade da Flor Vermelha. Mas dizer que Hung Fa Yi, Hung Fa Wui e Estandarte Vermelho ou mesmo ‘Red Flag’ são absolutamente a mesma coisa, tendo séculos que os separam, é meio que uma tremenda forçada de barra. De 2005 a 2008, eu fiz parte do grupo Hung Fa Yi, que atualmente tem sede em San Francisco, EUA. Mas, em 2010, descobrimos que existia um grupo relacionado a esse último, em Hong Kong; contudo, alguns detalhes chamaram nossa atenção, dentre eles o fato de que esse grupo de Hong Kong, não só não usava o mesmo nome – Hung Fa Yi – como o negava totalmente, tanto que usavam para si outro nome – Tit Fa Yi – em cantonês, significando “Irmandade da Flor de Ferro”; como também, não reconheciam o grupo dos EUA. Esse grupo de Hong Kong faz parte da atual Hung Mun; portanto, prefiro deixar esse assunto onde está. Bem, uma vez esclarecido sobre essa tal ‘Red Flag’, vamos retornar à sua pergunta: sim, essa história sobre William Cheung ter aprendido algo mais que apenas Ip Man Wing Chun é muito mais que apenas um boato. Diz-se que pelo final dos anos 70, o pai de Cheung, que era policial em Hong Kong, teria conseguido um passe para que Cheung pudesse estudar Kung Fu com um grupo de Wing Chun ligado à Hung Mun que, supostamente, seria esse grupo chamado Flor de Ferro, o qual, supostamente, descenderia de um mestre que, por sua vez, era estudante e sucessor de outro mestre que descenderia, em linhagem, diretamente de Chan Biu; mas aqui eu prefiro não entrar em detalhes, pelo menos não agora. Sim, o Wing Chun ensinado por Cheung é muito próximo ao ensinado pelo grupo Hung Fa Yi, mas também existe sim uma distância abissal entre os dois, algo que somente uma pessoa que aprendeu, de fato, o Hung Fa Yi Wing Chun conseguirá entender. Mas para não deixar o assunto não abstrato, eu posso dizer que um dos fundamentos do Hung Fa Yi Wing Chun – o Sap Ming Dim, ou seja, a fórmula do tempo, espaço, energia – não está presente no Traditional Wing Chun, quanto a isso já não teria como dizer se Cheung desconhece a fórmula ou se, conhecendo, decidiu deixá-la fora do currículo de sua escola. Contudo, posso dizer que faço uma boa ideia do porquê de Cheung não relevar essas coisas e apenas seguir dizendo que seu Wing Chun veio simplesmente de Ip Man, o que, absolutamente, não é verdade. Não que ele não tenha estudado com Ip Man, ou o Wing Chun de Ip Man, não há dúvidas quanto a isso. Entretanto, o seu TWC não vem de Ip Man. Veja que estamos falando de sociedades secretas, movimentos subversivos que hoje, muitos deles, enveredaram pelo mundo do crime; mas que mesmo no passado, já existia uma questão seríssima quanto à sobrevivência, por isso muitas regras de segurança e proteção aos grupos, bem como punições severas ao infratores, foram criadas; entre essas muitas regras, havia o juramento de sangue pelo qual passavam todos os que ingressavam em um desses grupos. Esse juramento, anos depois foi substituído pela ‘cerimônia do chá’ nas escolas ou famílias kung fu que não tiveram ligação com as sociedades secretas. Quando falo em ‘juramento de sangue’, não quero dizer que alguém iria fazer um corte em alguma parte de corpo para retirar sangue e selar um acordo, como é descrito em muitas fantasias literárias. Não! Era um ritual composto, entre outras coisas, por 36 juramentos que, se quebrados, atrairia um karma muito mais que sinistro ao infrator. São muitas as punições, também muito sinistras, mas a maior de todas era a que fazia o sangue do infrator, ou traidor, jorrar pelos sete buracos da face; consequentemente, levando-o à morte. Embora saibamos que essas punições mais severas tenham sido ‘abolidas’ no fim dos anos 70, mesmo assim, existe uma aura pesada entorno dessas coisas e eu já vi o bastante disso se provar realidade, bem como ver a reação de chineses frentes a documentos e relatos sobre esses rituais para, ingenuamente, ignorar o que já vi. Se quer saber minha opinião pessoal sobre Cheung e seu Wing Chun, eu acredito que ele está totalmente certo em fazer o que fez e faz. Veja que ele faz seu trabalho sem envolvimento com escândalos. Foi ele que realizou a proeza de coordenar o ‘retorno’ do Wing Chun ao templo Shaolin; isso era algo que outros argumentavam e discutiam em fazer fazia tempo, quando Cheung foi lá e fez. Eu já tive oportunidade de treinar o TWC, gosto muito de muitas das interpretações que fazem sobre a arte e posso dizer que é um ótimo método de Wing Chun. Por fim, sobre as supostas técnicas secretas que Ip Man teria ensinado a poucos: acho tudo isso apenas fruto de propaganda mercadológica.
7 ) Então por que existem uma infinidade de diferentes linhas de Wing Chun vindas de Ip Man, uma vez que seus estudantes aprenderam sob uma mesma fonte ?
Alex Magnos : Bem, existem várias razões para isso, mesmo em linhagens que derivam das sociedades revolucionárias, e as razões são muitas. Por exemplo, sabemos que a Flor Vermelha dispunha de duas abordagens para o ensino de seu kung fu: esses dois métodos são conhecidos como Hai Tung, abordagem sistemática (faz-se necessário levar em conta tudo que foi mencionado anteriormente sobre esse assunto) e Saan Sau, que é uma abordagem não-sistemática, ou seja, mais solta, do ensino de seu kung fu. Isso é de difícil compreensão para os não conhecedores do, digamos, Hung Mun Wing Chun; mas podemos usar um famoso acontecimento do Wing Chun pós-Barcos Vermelhos para melhor ilustrar essa questão: é sabido que Leung Jan, um famoso médico herbalista, aprendeu Wing Chun com dois membros dos Barcos Vermelhos, Leung Yi Dai e Wong Wah Bo. Sabemos também que Mestre Jan deu vasão à duas abordagens diferentes de seu próprio conhecimento; pois durante o tempo em que viveu em Fatsan, a metodologia de ensino e o conteúdo apresentando por Mestre Jan, ficou conhecido com Chin San Wing Chun (corpo de frente), e foi dessa fonte que bebeu Chan Wa Seun, o primeiro mestre de Ip Man. Já quando viveu em Gulau, Mestre Jan apresentou uma abordagem e conteúdo diferente ao transmitir seu conhecimento, conhecido por Pin San Wing Chun (corpo de lado), ou mesmo, Gulau Wing Chun. Claro que existem muitas diferenças entre os dois métodos, sendo que a mais visível é a existência de todos os Kuen Tou (formas de punhos) no Chin San, enquanto que inexistem no Pin San; ao passo que o método Pin San faz uso em larga escala de Saan Sik (técnicas separadas), enquanto que no Chin San, essa prática é mais escassa. Os Kuen Tou, ou como são mais conhecidas, formas, são os livros didáticos do Wing Chun, são nelas que todo o conhecimento sistemático (Hai Tung) é armazenado e preservado, leia-se não só axiomas únicos ao Wing Chun, como também sua bagagem mecânica, conceitual e, logicamente, filosófica. Como exemplo, tomemos o Siu Nim Tau, que desde o nome já carrega um intenso significado filosófico, é a forma que estabelece toda a consciência estrutural tridimensional e de sustentação ao praticante, as outras formas – Cham Kiu e Biu Ji – são apenas extensões para o Siu Nim Tau. Já não existe na metodologia Pin San, uma vez que não fazem uso das formas. Os Saan Sik são caracterizados por técnicas curtas de movimentos ou combinação destas técnicas, cuja função é conectar a compreensão do praticante entre conhecer a arte e aplicar a arte, ou seja, são exercícios soltos que ajudam a despertar a expressão do artista marcial. Com a lacuna obviamente deixa pela forma, os exercícios de San Sik deixam de ser interpretações da forma, passando a ser, dessa maneira, eles mesmos, os objetos de interpretações, ou seja, assumindo, então, a função que naturalmente era da forma; o problema é que Saan Sik não é forma, mas livre, embora, essencialmente, limitado, ao passo que a forma, Kuen Tou, é definida, preestabelecida, embora, essencialmente, ilimitada. Exemplo, a função do Saan Sik é gerar técnicas de ataque e defesa, já a forma não tem essa função, mas proporcionar compreensão de estrutura dimensional (espaço e tempo), poder de gole (energia), e, claro, os meios de utilização (estratégias) desses recursos. Geralmente, essas abordagens são confundidas e é muito comum ver que algumas pessoas estão praticando a forma como se não fosse mais que um saan sik, isso dá vasão ao ambiente que vemos muito comumente no Wing Chun, pois tudo fica à mercê da opinião pessoal de uma pessoa que decide por si só que algo deve ser de um jeito e não de outro e isso se torna verdade para muitos. Falando ainda sobre as duas abordagens usadas para o ensino do kung fu durante o período revolucionário, ou seja, Hai Tung (sistema) e Saan Sau (não-sistema), sabemos que esse último era voltado para o treinamento de tropas, quando o primeiro era voltado para o treinamento de instrutores (digamos assim). Isso porque, diz-se que o soldado da tropa teria necessidade de uma rápida preparação para ir à batalha e realizar essa função, e, mesmo assim, muitas vezes, nem mesmo conseguia deixar o campo com vida, dessa forma, de um ponto de vista prático (Chan Budismo), o soldado somente precisaria saber o suficiente para realizar sua função, ao passo que os instrutores precisaria conhecer coisas muito mais profundas que um soldado, sendo eles seus formadores. Desse ambiente que era realidade no passado e que ainda é aplicado hoje, em escola que tem conhecimento da Flor Vermelha (incluindo a SBA), tivemos dois outros acontecimentos: 1 – a metodologia usada para a formação de um soldado (aquele que iria para a batalha), é chamada Siu Lim Tau, ao passo que a metodologia para a formação de um instrutor (aquele que formaria um soldado), é chamada de Siu Nim Tau. Eu sei que para os praticantes de Wing Chun, essas duas formas de grafar uma mesma coisa: a primeira forma do Wing Chun! Mas, não! Bem, pelo menos no Wing Chun antigo, no Wing Chun das sociedades anti-Qing. Ali, essas duas grafias representavam duas coisas totalmente diferentes, e que ainda são usadas hoje. Eu as uso com meus estudantes! Nesse ambiente, Siu Nim Tau (onde Nim, cantonês, significa ideia ou razão), é a sumarização do Hai Tung (aprendizado sistemático), quando o Siu Lim Tau (onde Lim, cantonês, significa treino ou exercício), é a sumarização do Saan Sau (a preparação física e mental para a ação). Muito do Hai Tung foi mantido entre poucos internos nas sociedades revolucionárias, já muito da abordagem Saan Sau deu origem a muitos outros métodos de kung fu, que acabaram por se tornarem linhagens com o passar do tempo. Outro detalhe que podemos citar, sendo esse exclusivo à linhagem Ip Man, isso já é algo inegável, embora alguns ainda tentem, ingênua e inutilmente, é o fato de que mestre Ip Man treinou com outros mestres, em tempos diferentes, depois do falecimento de seu primeiro professor, mestre Chan Wa Seun; sendo eles: Chan Yu Min (filho de Chan Wa Seun), Ng Jung Sou (estudante de Chan Wa Seun), Yun Kei Saan, Dang Yik e mesmo Chu Chu Man. Em posse dessa informação, é muito fácil deduzir o porquê de existir tantos subsistemas ou mesmo, sub-linhagens, a partir do conteúdo coletado e ensinado por mestre Ip Man. Pois obviamente, turmas diferentes de estudantes sob orientação do mestre, tiveram acesso a conteúdos ligeiramente diferentes. Por isso acho, no mínimo tosco, quando alguém abre a boca para dizer que conhece com exclusividade o sistema Ip Man real ou original e que outros não o são.
8 ) Você foi o maior divulgador e defensor do Ving Tsun Museum aqui no Brasil e hoje caminha sua própria jornada. Por que tomou a decisão de “ cortar ” os laços com a sua antiga família Kung Fu e sedimentar a sua própria ? Nós podemos afirmar que você vinha trilhando o caminho do Dragão, e agora irá percorrer o caminho do Tigre ?
Alex Magnos : Sim, é verdade. Tornei-me estudante de Wing Chun sob orientação do mestre Benny Meng em 2005, ou seja, decidi refazer meus passos, mais um vez, no sistema Ip Man Wing Chun; e, simultaneamente, comecei a dar os primeiros passos no Hung Fa Yi Wing Chun. A partir de 2006, minha organização, SBA, tornou-se a principal promotora do Ving Tsun Museum e seu curador no Nordeste do Brasil e, em 2007, em escala nacional. Toda a divulgação, promoção e apologia que fazíamos em prol do VTM era legítima, pois realmente acreditávamos nessa missão, mas, infelizmente as coisas começaram a mudar e, em 2014, a relação atingiu um ponto onde não havia mais como continuar; o que posso dizer sobre essa questão é que os ideais e visão quanto à arte marcial, metodologia, abordagem mercadológica já não eram mais os mesmos. Ou seja, os ideais e visão sobre como aprender, ensinar, divulgar, etc, o Wing Chun já não estavam mais em harmonia com os do curador do VTM. Frente a esse fato, em Fevereiro de 2015, após conversar com todo os líderes da SBA os quais residem em vários Estados diferentes, unanimemente decidimos seguir um caminho divergente ao VTM, e estamos nesse caminho desde então. E, hoje, quando olhamos para trás e ponderamos sobre a decisão tomada, ainda temos certeza que foi uma decisão mais acertada e que veio na hora certa. Certamente, que a turma do VTM, não gostou muito de minha decisão pelo desligamento, exatamente por isso, vez ou outra deparo-me na internet com algum comentário não tão amigável da parte deles, seja contra mim, seja contra os membros da SBA, o que vejo como atitude infantil e muito antagonista à imagem que eles mesmo tentam vendar na internet. Mas essa já era uma atitude esperada; portanto, na maioria das vezes, apenas ignoramos. Quanto aos caminhos do Dragão-Tigre: bem, esse é um simbolismo remanescente à cultura das sociedades secretas, onde o Dragão simbolizava a pessoa que tinha o conhecimento sobre a arte e possuía a habilidade e experiência necessárias para educar, ensinar a arte, para outra pessoas, ou seja, era o mestre, o sifu; no caso do período revolucionário, o general. Já o Tigre simbolizava a pessoa que, treinada na arte, estava pronta para ingressar no campo de batalha e fazer sua parte em prol do bem comum e do ideal revolucionário. Hoje chamamos o ‘Caminho do Dragão’ todo o tempo dedicado ao processo de aprendizado, ao passo que, o Caminho do Tigre representa o momento de colocar à prova tudo o que foi aprendido. Colocando em outras palavras, uma vez que aprendeu, é hora de testar. Essa coisa de testar foi ideia do curador, ou seja, pessoas ir para competições de kung fu e mesmo MMA, (eu cheguei levar estudantes para competições de Sanda e mesmo alguns estudantes de um dos meus instrutores/representantes lutaram no MMA) mas não vi muito futuro nesse projeto, principalmente porque, em minha visão, seu eu tiver que levar um estudante para um competição envolvendo luta, esse estudante deve, por uma questão de princípio, expressar o que aprendeu na SBA, ou seja, Shaolin Wing Chun, não Muay Thai, Boxe, Jiu Jitsu, etc., não me entenda mal, não tenho nada contra essas artes ou quem as pratica, estou apenas ressaltando uma questão de princípios. Não adianta passar horas a fio treinando mecânicas, conceitos, posicionamentos, ou seja, coisas que são exclusivas e características do Wing Chun e, quando entrar em um ringue, fazer tudo diferente e parecido com qualquer outra coisa, menos com Wing Chun. Uns 2, 3 anos atrás eu lancei uma proposta quanto à possibilidade de treinar gratuitamente interessados em competir pela SBA; tivemos alguns interessados, mas infelizmente alguns não passaram no teste de seleção que eu mesmo apliquei, já outros simplesmente não conseguiram compreender o ensinamento, uma vez que nosso conhecimento está muito além de socos, chutes e sequências de combinações. Entretanto, nossos estudantes que experimentaram tanto o Sanda quanto o MMA, tiveram bons resultados.
9 ) Desde o ano passado ( quando você se desligou do seu antigo mestre ) seu objetivo é expor a arte e seus ” segredos ” da melhor forma possível e à todos os interessados. Você não teme faze – lo ?
Alex Magnos : Sinceramente, não, não temo! Veja, antes de mais nada, uma das maiores hipocrisias que existem impregnadas dentro da comunidade Wing Chun, seja ela internacional ou nacional, é a baboseira que determinados grupos tentam propagar sobre “nós somos todos uma só família”, uma só arte, somos todos irmãos! Isso acontece apenas em tese, porque a realidade é outra totalmente diferente. Outra coisa que muito me irritava quando ainda estava na organização anterior, era o fato de que, mesmo que a organização encarasse o Wing Chun como um produto de mercado, e, como tal, precisava ser vendido, a mesma organização impunha uma regra que impedia que o produto fosse exposto ao grande público, pois a resolução da organização era que o público deveria ser ensinado a comprar o produto, mesmo sem conhece-lo, o que é algo absolutamente sem noção! Quem em sã consciência vai comprar algo sobre o qual nada conhece? Eu não! De forma nenhuma! Essa é uma atitude ridícula e um plano de vendas totalmente suicida, para dizer o mínimo. Bem, como já disse anteriormente, eu não vejo a arte marcial Wing Chun como um produto de mercado, que precisa ser vendido, custe o que custar! Desde o momento em que comecei a aprender essa arte lá nos distantes anos 80, eu quis aprendê-la para mim, para conhecimento próprio, para benefício próprio, isso é muito diferente da maioria dos praticantes de atualmente, pois as pessoas iniciam hoje já pensando em começar a ensinar um mês, as vezes uma semana depois (essa é, sem sombra de dúvidas, uma das várias razões que fazem a qualidade do Wing Chun ter caído drasticamente nesses últimos anos); não preciso ir muito longe, aqui mesmo no Ceará, há diversos ‘instrutores’ de Wing Chun que poderiam ser quaisquer coisas, menos instrutores de Wing Chun, isto é, a menos que não levemos em conta a qualidade do ensino e da arte. Mas que não se incomodar em comprar gato por lebre, sinta-se à vontade. De qualquer forma, o Wing Chun é uma arte marcial tão profunda e complexa que teríamos que ir realmente muito longe para expô-la em sua totalidade, e mesmo que assim o fizéssemos, seria necessário um legítimo toque de genialidade da parte de qualquer que tentasse aprender seriamente a arte sem a orientação direta de uma pessoa que já fosse experimentada no assunto. Sabe, eu ouço muitas pessoas dizerem que o Wing Chun é algo simples. Sim, é verdade! O problema é que essas pessoas não fazem ideia do que o ‘simples’ aí representa; da forma que falam, elas deixam a entender que a simplicidade é o caminho, quando não é, longe disso, o caminho é complexidade (Hai Tung / Sistema), ao passo que a simplicidade (expressão individual / arte) é o resultado final. Sobre isso costumo comentar com meus estudantes que o Wing Chun é como um iPhone, quando visto por fora seu formato é bem simples, enxuto, elegante; seu manuseio também é bem simples, prático, intuitivo; mas a maioria dos usuários não faz ideia da complexidade da arquitetura de software e hardware que estão inseridos dentro daquela caixinha fina. Assim é também o Wing Chun, sua simplicidade e elegância são resultados de uma profundíssima complexidade.
10 ) Sua escola, a SBA – Shaolin Boxing Association, não é composta apenas por você, mas por todo o conjunto de seus estudantes ( diretos ou indiretos ) e seus instrutores, como você mesmo costuma dizer. Como consegue manter essa “ irmandade ” entre os seus e o “ clima familiar ” em suas escolas ?
Alex Magnos : Antes de tudo, a harmonia e ambiente de irmandade é mantida por meio da clareza e honestidade entre os membros. Assim as decisões tomadas em prol da SBA são discutidas entre todos os líderes. Esses líderes são todos os instrutores e / ou estudantes que compartilham do mesmo ideal que tenho para a SBA e para o Wing Chun como um todo, bem como compartilham a mesma visão quanto à arte. Colocando de outro modo, não existem segredos na SBA! Quando estávamos nas organizações anteriores, eu sempre era requisitado a manter segredo sobre decisões, informações e mesmo métodos de treinamento. Isso muitas vezes era exigido simplesmente por uma questão financeira, ou seja, se não paga, não tem acesso à informação! Tremendo modelo de “família Kung Fu” esse aí, diga-se de passagem! Então, à medida que fui me decepcionando com a liderança da organização, comecei a compartilhar com membros-líderes da SBA; e essa foi uma decisão acertadíssima, pois logo depois que tomamos a decisão de desligamento em 2015, ocorreu uma tentativa de voltar meu estudantes contra mim. Contudo, eles todos já estavam cientes de tudo. De um ponto de vista curricular, todos os membros da SBA, do mais novato ao mais antigo (alguns estão comigo por mais de 10 anos), sabem o que irão aprender, sejam eles simples entusiastas, praticantes hardcore, instrutores que compartilha os ideais da SBA ou instrutores independentes. Não há segredos! Todos são expostos à informação, mesmo que essa informação seja abordada como ensino em profundidade a cada um apenas no momento certo. Por exemplo, um novato de poucas semanas tem acesso, a titulo de conhecimento prévio ou simples curiosidade, à informação que somente é abordada em profundidade nas etapas finais do treinamento. Quando eu dou aula, dou aulas para quem estiver presente. Nunca acontece de estar dando aula, digamos, sobre Biu Ji e afastar os estudantes de Siu Nim Tau que estiverem presentes. Quando isso acontece, mesmo que digam asneiras como “ainda não é o momento para você aprender sobre isso, pois é algo avançado” ou “isso não é para o seu nível ou faixa” ou qualquer quer outra baboseira do tipo, a verdade é que, a razão dessa separação ou apelo a “segredos” é sempre financeira. Outra atitude importante que contribui para a irmandade e harmonia na SBA é que, embora eu seja o instrutor-líder, eu não interfiro nas escolas de meus estudantes/representantes, seja em seus negócios, seja em como lidam com seus próprios alunos, além de dar liberdade total quanto a melhor forma que julgam ao fazer uso do currículo ao ensinar a seus próprios estudantes, além de não impedi-los de interagirem com outras artes marciais; e, além disso, pessoas são livres para ingressar e deixar a SBA a qualquer momento sem correrem o risco serem rotuladas de traidores e transformados em inimigos pela organização que acabaram de deixar, pois acreditamos que todos tem o direito nato de ir e vir livremente. Eu particularmente acredito que se alguém aprendeu verdadeiramente alguma coisa de uma arte marcial, o que essa pessoa aprendeu é, única e exclusivamente, dela e de mais ninguém, e nem um mestre, organização, família marcial, irmandade, sociedade, ou o que seja, tem o direito de dizer o contrário ou impedi-la de usar seu conhecimento para o que quer que seja. Por fim, a SBA não é uma empresa, ou uma pseudo família kung fu, mas uma verdadeira irmandade. Aqui estamos entre amigos.
11 ) Você já demonstrou não ter nenhuma intenção de ficar rico com a arte, por não vê – la como um produto de mercado. Até onde pretende chegar com a sua escola, a SBA – Shaolin Boxing Association ? Também pretende adquirir alguma nova representação ou seguirá sozinho ?
Alex Magnos : Pretendo chegar até onde os interessados estiverem, essa é uma verdade imutável! Não diríamos novas representações, acho que já ficou provado que temos informação e conhecimento o bastante para seguirmos nosso próprio caminho, caminhando com nossas próprias pernas. Mas mesmo assim, eu ainda tenho planos de interagir com outros mestres internacionais. Ainda quero aprender um pouco mais com a experiência desses mestres. Por isso tenho mantido contato com alguns mestres na Ásia (Hong Kong e China continental) e Europa; porém, ainda não é o momento para vir a público com esses planos.
12 ) Fale-nos um pouco mais sobre a expansão da sua escola. Em quais estados possui representantes ? Há planos de expansão para outros países ? Existe algum sistema de treinamento intensivo para quem more distante e esteja interessado em praticar com vocês ?
Alex Magnos : A expansão da SBA começou em 2006, quando estabelecemos nosso primeiro grupo filiado no Estado de Sergipe (esse grupo não está mais ligado à SBA desde 2012); hoje além do Estado do Ceará, onde fica nossa sede (Fortaleza), a SBA está presente nos Estados de Pernambuco: Recife, com Sifu Manoel Ramos que, além de ser um dos meus melhores estudantes, é dono de uma excelente expressão da arte que lhe tenho ensinado nestes últimos cinco anos, juntamente com Sifu Manoel Ramos, tenho ainda outros dois estudantes/representantes diretos, Sifu Damocles Silva e Sifu Carlos Fonseca, e, por último, em Olinda, com o instrutor Claydson Maques; as filias do interior no Ceará, estão sob liderança do Sifu Claudio Oliveira e do Sifu João Batista, ambos sendo dois dos meus estudantes mais antigos; estamos ainda em Santa Catarina (Tadeu Jr), Rio de Janeiro (Hugo Lorega), São Paulo (Gilsmy Boscolo), Bahia (André Rocha), Paraíba (Felipe Barbosa), Rio Grande do Norte (John Flávio), além de alguns estudantes que estão também em processo de certificação de instrutores e conduzem classes em Fortaleza, como Jésus Dias e André Moreira. Recentemente, estabelecemos com grande sucesso duas filiais nas cidades colombianas de Bogotá (Andrés Guerrero) e Cali (Cezar Azcarate), e estamos analisando convites para outros países sul e centro-americanos, bem como existem possibilidades para o Oriente Médio e Europa, mas ainda é muito cedo para falar sobre isso. Sim, nosso programa de treino, tanto para instrutores quanto para interessados que morem distante da sede em Fortaleza, é bastante intensivo, mas não é algo padronizado, por isso sempre é necessário um planejamento entre o interessado e a SBA. Mas como é de nosso interesse, sempre procuramos facilitar e ajudar aos que nos procuram com esse intuito de treino à distância. Sobre essa questão de aprendizagem à distância, tenho algo a falar, já venho trabalhando por algum tempo no desenvolvimento de um recurso online para compartilhar meu conhecimento em Wing Chun a quem tiver interesse. Tenho um grupo do Facebook no qual constantemente publico videos de minhas aulas em Fortaleza ou de seminários que ministro, mas esse projeto de ensino online terá um site próprio onde disponibilizarei vídeos exclusivos apresentando cada exercício de todo o sistema, explicados em detalhes, bem como teorias e conceitos. O site ainda está em desenvolvimento.
13 ) Eu tive a oportunidade de ter “ contato real ” com a técnica ensinada por você e pude constatar que a mesma era superior à tudo que era oferecido em termos de Wing Chun no Brasil até então. O que diria para aquelas pessoas, as quais insistem em afirmar que “ apenas ”as suas próprias técnicas estão “ corretas ” e as demais escolas “ erradas ”, uma vez que estamos todos inseridos num universo tão diversificado quanto o do Wing Chun ?
Alex Magnos : Bem, como ensina a filosofia Chan, certo e errado é meramente uma questão de ponto de vista, e, por assim dizer, todo ponto de vista é meio que limitado. Uma das razão que sempre busco ter contato com outros métodos ou linhagens de Wing Chun é justamente porque somente o contato real, somente a experiência real pode proporcionar algum conhecimento. Qualquer praticante que fale sobre o Wing Chun que ensino sem ter tido uma experiência real com ele, está se colocando na mesma situação de discutir sobre unicórnios ou o sexo dos anjos. Wing Chun foi uma arte marcial absolutamente completa no passado, mas que começou a ser desmembrada a partir da queima de Shaolin e, subsequentemente, vem sendo despedaçada até os dias de hoje. Quanto mais há separação ou divisão de linhagens, sistemas, subsistemas ou famílias, mas desmembrada a arte se torna; portanto, é hilário quando vejo na internet, pessoas que apegadas a uma linhagem ou sub-linhagem, com uma visão unilateral da arte, afirmando que suas linhagens são completas. Não são mesmo! Somente uma pessoa que estudou os aspectos da arte em duas diferentes eras é poderia dizer algo parecido, e mesmo assim, precisaria ter cuidado em dizer que poderia provar o que afirma.
14 ) Quando em conversas com mestres de outras famílias e linhagens Wing Chun, sou sempre questionado sobre o que vem à ser a “ mudança de músculo para tendão ” e a “ lavagem de medula óssea ” ? O que poderia nos falar sobre esses conteúdos ?
Alex Magnos : Essa é uma excelente pergunta. Esse conhecimento faz parte da gênesis do Shaolin Kung Fu no Mosteiro Shaolin Song San, Norte da China, afinal de contas, tradicionalmente, sua criação ou, melhor dizendo, descoberta é creditada a Daat Mo, o famoso Bodidarma. São chamados pela literatura especializada de “Os Dois Clássicos de Shaolin: o Yijin Jing (mandarim) ou Yigan Ging (cantonês), significa “Mudança de Musculo para Tendão”, e o Xi Sui Jing (mandarim) ou Sai Suei Ging (cantonês), significa “Lavagem da Medula Óssea”. São antiquíssimo e avançadíssimos métodos de Hei Gung (Qigong) para desenvolvimento e manutenção da saúde, algo como verdadeiros elixires da longevidade, pode-se dizer, mesmo a ‘pedra filosofal’ do Shaolin Kung fu; contudo, sua aplicação não se limita à saúde, mas também uma extraordinária fonte de desenvolvimento de poder (energia / força) marcial, por isso, não é nenhuma coincidência que esses ‘Dois Clássicos’ façam parte do fundamento, da essência última do Wing Chun. Depois de absorver os Dois Clássicos, preservados no Wing Chun da chamada ‘Bandeira Preta’, depois adquirir as habilidades e benefícios proporcionados por eles, eu li diversos livros sobre o assunto, e mesmo tive a oportunidade de receber um treinamento sobre os “Dois Clássicos” no Templo Shaolin do Norte, quando estive na China em 2014; contudo, mesmo em Shaolin, o conhecimento não é o mesmo que temos no Shaolin Wing Chun. Muitos aspectos dos Dois Clássicos sobreviveram fora da sociedade secreta e hoje são encontrados presentes em diversas artes marciais chinesas, incluindo Taiji, Bagua, etc, mas em todas as oportunidades que tive para interações, percebi que eram ligeiramente diferentes, bem como algumas peças estavam ausentes, dos Dois Clássicos presentes no Shaolin Wing Chun. Não estou dizendo que os outros estão errados, apenas que são partes de um todo maior, e eu estou totalmente disposto a sentar e conversar sobre os assunto com quem também tiver um bom conhecimento na área. Para quem ainda não consegue conectar esses Dois Clássicos com o Wing Chun, basta lembrar que o Wing Chun é uma arte marcial cujos seus ‘segredos’ são escondidos em plena vista. Acredito que muitos dos praticantes de Wing Chun ouviram sobre uma velha descrição fantástica sobre a composição do corpo de um conhecedor da arte. A descrição que o corpo do praticante é formado por uma cabeça de vidro, tronco de vagem, braços e pernas de cordas, com mãos e pés de pedra ou ferro; então, essa composição é uma alusão direta aos Dois Clássicos no Wing Chun. Quando é dito ‘braços e pernas de cordas’, isso diz respeito à mudança de músculo para tendão, ou seja, à habilidade adquirida através do Yijin Jing com a qual o praticante deixa de gerar força (qualquer que seja ela) com o músculo, passando a fazê-lo usando os tendões do corpo; em um nível ainda mais profundo o poder é gerado diretamente da medula óssea! O resultado é impressionante. Quando é dito ‘mãos e pés de pedra’, isso diz respeito à habilidade adquirida com os Dois Clássico que faz com que nossa energia ou poder de impacto / golpe, não venha do nosso tronco, quadril ou ombro, mas que é gerada na ponta de nossa arma natural (mão ou pé), isso, em muitos casos, é o que chamamos também de desapego. Nem preciso dizer que esse é um conhecimento alienígena para a maioria dos métodos de artes marciais por aí. Como os Dois Clássicos são métodos de Hei Gung (Qigong), eles nos apresentam também uma nova visão sobre o que é considerado ‘externo’ e ‘interno’ para nosso conhecimento de arte marcial. Dessa forma, seguindo os Dois Clássicos, primeiros somos apresentados a um treinamento inicial, preparatório, esse é o nível superficial (pele e músculo), em seguida seguimos para mudança do uso do músculo, para uso do tendão (isso é o que consideramos como treinamento externo), em seguida passamos para a lavagem da medula (osso e sangue – isso é o que consideramos como treinamento interno); claro que há muito mais sobre esse assunto, mas não há como entrar em maiores detalhes sobre o assunto sem que cada vez mais pareça abstrato aos leigos. Esse é um conhecimento muito antigo e avançado, mas que fez toda a diferença aos meus estudantes que já aprenderam. Uma coisa posso dizer, dificilmente alguém poderia expressar a ‘força-relaxamento’ do Wing Chun sem o conhecimento dos Dois Clássicos.
15 ) Muitas escolas sequer ouviram falar sobre os conceitos técnicos de “ tempo, espaço e energia ” e mesmo a realidade do “ céu, homem e terra ”. Essa perda de informação ao logo da história pode ter contribuído para a ineficiência técnica de algumas escolas hoje em dia ?
Alex Magnos : Sem a menor dúvida! Apesar desses conceitos serem antigos os praticantes de Wing Chun dos dias de hoje não os conhecem, e se algum tem falado desses conceitos ultimamente, foi por tê-los emprestados das linhagens antigas e menos populares, tais como Flor Vermelha, Bandeira Preta, e mesmo, Chi Sim. Quanto ao preceito – Tempo, Espaço, Energia –, gostaria de explicar o seguinte: Tempo, não tem nada a ver com velocidade, mas diz respeito a ‘Estratégias de Posicionamentos’; Espaço, não tem nada a ver com distância, mas diz respeito a ‘Estratégias de Estruturas Tridimensionais’, já Energia pode ser explicada de várias formas, em um primeiro momento, energia será um resultante da soma de Tempo-Espaço, mas com o aprofundamento do conhecimento do praticante, energia passa a ser algo muito além dos limites de Tempo-Espaço, entrando em um nível ou estado de compreensão que, nas artes marciais verdadeiramente tradicionais de Shaolin, é chamado Wuji (mandarim) ou Mou Gik (cantonês), um conceito que também vem do Budismo Mahayana, como Nirvana, significando “último; ilimitado, infinito, nada, vazio absoluto”, aqui estamos já falando de energia como compreendida pelo segundo clássico, Sai Suei Ging – ‘Lavagem da Medula Óssea’, nessa etapa do campeonato, praticamente estamos entrando para uma compreensão do Wing Chun nível de física quântica.
16 ) Quais os seus horários e locais de aulas ? Como as pessoas interessadas ( da sua ou de outras cidades ) poderão entrar em contato com você ?
Alex Magnos : Hoje, em Fortaleza, somente dou aulas dois dias por semana, Terças e Quartas, das 19h30min às 21h00min, na seda da SBA, que também é uma academia de treinamento funcional camada D.A. Na verdade, em Março de 2015, eu decidi parar de dar aulas para iniciantes, pois já tenho vinte anos dessa atividade. Minha intensão era continuar dando aula somente para estudantes que tivessem pelo menos dois anos de treino comigo e os demais, incluindo novatos, ficaram sob orientação desses meus estudantes mais avançados. Isso aconteceu por todo o ano de 2015. Mas no início desse ano, após vários convites do proprietário da D.A., eu resolvi voltar a aceitar novatos como estudantes. Paralelamente, passei a dedicar tempo para desenvolver alguns projetos que tenho quanto a produzir alguns livros sobre meu conhecimento de Wing Chun; já estou escrevendo um destes que tratará sobre Siu Nim Tau de uma forma que nenhum outro livro anterior o fez, bem como já tenho os esboços de dois outros, um tratando da história do Wing Chun e suas controvérsias, e o outro tratará sobre Wing Chun e filosofia Chan; mas tenho intenção de abordar praticamente todo o Wing Chun em livros futuros. Melhor forma de contato comigo, sobre Wing Chun é através do site oficial da SBA (shaolinwingchun.com.br), da fanpage SBA no facebook (@sba.mma) ou atrás de um dos meus perfis no facebook (um pessoal e outro somente para artes marciais).
17 ) Para finalizar deixe uma mensagem para os admiradores do Kung Fu em geral e do Wing Chun em particular ?
Alex Magnos : Sim, aos que realmente querem aprender Wing Chun: não se deixem limitar por preconceitos, por opiniões unilaterais de escolas, ou professores, abram os olhos, olhem além de sua zona de conforto. Procurem ter uma experiência real com outros métodos que possam encontrar. Nenhuma família kung fu, nenhuma escola ou mestre possui o conhecimento total e completo dessa fantástica arte marcial Wing Chun, mas esse conhecimento existe e está por aí, fragmentado, basta que as pessoas consigam romper os grilhões do preconceito, do medo e da ganância, para que possam começar a enxergar uma realidade que poderá mesmo ser ilimitada. Wing Chun não é um aglomerado de técnicas de ataque e defesa, mas uma profunda filosofia Chan Budista que pode transformar a vida de muita gente.


Um comentário:

  1. Excelente entrevista. Bastante esclarecedora e, realmente, educativa.
    Sempre tive um enorme desejo em aprender kung fu e, especialmente após haver assistido aos filmes do Ip Man, interessei-me particularmente pelo wing chun - principalmente, pela simplicidade e pelo espírito do senhor Ip Man, de só ir ao enfrentamento em último caso.
    Não conhecia o mestre Alex Magnos, mas senti muita verdade e também muita simplicidade em suas palavras.
    Mais do que nunca, quero entrar nesse mundo.
    Moro em Recife e vou procurar o discípulo do mestre Alex Magnos aqui em minha cidade.
    Um abraço.

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